Normose, a epidemia da desumanização


A intolerância que cresce e se infiltra no Brasil recém emergido do projeto desenvolvimentista que rompeu com as políticas de neocolinização neoliberal diz muito mais sobre cada um de nós do que daqueles a quem foram confiados o desafio de conduzir os destinos de nosso País.


Tem a ver com a impotência dos que se desacostumaram à dureza da luta. O conformismo de quem sucumbiu ao que José Saramago definiu como cegueira contemporânea deixando em segundo plano seus princípios morais. Diz também respeito à insensibilidade diária que demonstramos perante o sofrimento do outro e a nossa incapacidade de compreender o preço da conveniência, paga antes mesmo da tragédia maior ser consumada na conjuntura que nos espera.


Mais ainda, tem a ver com o vazio contemporâneo também de nossa arte – no cinema, na música ou na teledramaturgia. Nossos heróis não morrem mais de overdose. O passaporte para a fatalidade está no discurso enfraquecido de ideias e ideais, na inércia intelectual ou no vazio contemporâneo que se revela na incapacidade de inspirar gerações em cenas, verso ou melodia.


Nossa produção cultural tem se reduzido cada vez mais aos padrões de mercado. Talvez isso ajude a explicar a quantidade exacerbada de jovens que têm se identificado com o terror, a intolerância e a violência. Nossa juventude carece de referências “temporais”. Não à toa concentram-se na superficialidade digital, seduzidos pelas fake News ou pelo fenômeno de jogos suicidas.


No campo da luta feminista a situação não é diferente. Levamos tanto tempo para conquistar direitos, mas limitamos nossa atuação ao supérfluo. Não conseguimos nos desassociar da ideia do senso comum, que entrelaça feminismo com fragilidade ou submissão. 


Embarcamos numa luta que custou a desconstrução da nossa identidade. Nos rendemos às vaidades do mundo moderno, confundimos direito com competição, cedemos aos prazeres do materialismo exacerbado, sobretudo à subversão de valores humanitários. Talvez pelo fato de que assim como com tudo mais no sistema capitalista, o empoderamento feminino corresponde, em grande medida, a “poder consumir”. 


Não há como haver feminismo sem humanismo. Ou a que creditar o fato de uma parcela considerável de mulheres se sentirem representadas, nas urnas, por aquele que traduz o que há de mais nefasto em nossa sociedade?


Por tão pouco priorizamos nossa zona de conforto e nos alimentarmos de uma estrutura que sustenta na mesma proporção que nos corrói. Movidos por interesses alheios e limitados ao cálculo da conveniência, caminhamos na simbiose da normalidade sem nos dar conta de que com esses passos nos tornamos reféns de nossas próprias criações. 


A normose, a doença da sociedade pós-moderna, passa pela demência de cada um de nós. Como ensinou o bom velhinho, Pepe Mujica, “tudo se compra, menos a vida. A vida se gasta”. Não consigo visualizar a evolução da espécie humana sem vinculá-la à espiritualidade, o que exige total desprendimento da religião. Sem isso, não vejo como alcançar a renovação que tanto buscamos: na política, no aspecto econômico, social e nas demais relações cotidianas.


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